A COMARCA: do chumbo ao digital
Em 5 de julho de 1900, nasceu o jornal A COMARCA, pelas mãos do jornalista e tipógrafo gaúcho Francisco Cardona. Vindo de Campinas, ele desembarcou em Mogi Mirim alguns anos antes, montando na cidade a Casa Cardona. Natural de Pelotas, aprendeu as artes gráficas em sua terra natal. Foi além, começando também a lutar pelos direitos dos gráficos e, por extensão, de todos os trabalhadores. Isso em meados do séculos XIX, quando as questões sociais eram caso de polícia.
O nome A COMARCA lembra a jurisdição que Mogi Mirim obtivera em 1852 e dizia da ambição de Cardona em fazer um jornal regional, já que na época a cidade tinha diversos distritos (como Santo Antonio de Posse, Conchal e Jaguariúna) e até mesmo Mogi Guaçu era subordinada à comarca judiciária mogimiriana.
Nos primeiros meses, A COMARCA foi impressa em formato menor. Somente com a compra da impressora Alauzet (o mesmo modelo que imprimiu por décadas O Estado de S.Paulo), o periódico mogimiriano passou a ter o tradicional formato standart. Não tendo ainda Mogi Mirim energia elétrica naquele início de século XX, a impressão era feita com força humana. A velha Alauzet imprimiu o jornal até 1972.
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Selo comemorativo aos 120 anos de fundação do jornal traz a figura de Francisco Cardona (Arte: Lucas Bonatti) |
A tipografia de Cardona era famosa por seus aprendizes. Em 1911, três desses meninos ingressaram em A COMARCA: Francisco Piccolomini e os irmãos Emílio José e Orlando Pacini. Cardona os adotou como filhos e os orientou na sua juventude. Preparou cada um para uma atividade específica. Francisco seria revisor e repórter do jornal; Orlando ficaria responsável pela parte gráfica; e Emílio José cuidaria do comércio de papel e livraria, a famosa Casa Cardona.
O velho jornalista gaúcho, já com o objetivo de integrar o trio à dinâmica do jornal e da papelaria, criou em 1922 a F. Cardona & Cia., uma sociedade coletiva da qual detinha metade do capital social, enquanto Piccolomini e os Pacini tinham 1/6 cada.
Em 1926, Francisco Cardona decidiu deixar a direção do jornal, passando o comando para seus três pupilos. Com isso, em fevereiro daquele ano, Piccolomini e os irmãos Pacini compram a parte de Cardona na sociedade coletiva. Nasce a Pacini & Piccolomini, proprietária da Casa Cardona e do jornal A COMARCA.
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Reprodução da edição nº 1 |
Francisco Piccolomini, enquanto diretor do jornal, foi um dos sócios fundadores da Associação Paulista de Imprensa, em 1939, com diploma assinado pelo poeta Guilherme de Almeida. Casou-se com Leonor Scaglione, com quem teve duas filhas: Maria Conceição, que depois se formou pelo Conservatório de Canto Orfeônico de São Paulo, e Terezinha Dinah, que se formou pela Faculdade de Filosofia de Campinas e mais tarde tornou-se irmã religiosa das Filhas de Jesus.
Já doente, Francisco Piccolomini transferiu meses depois o comando do jornal para Arthur de Azevedo. Logo, o parque gráfico também teria um novo sucessor, Santo Róttoli. A COMARCA se tornou mais moderna e dinâmica. Suas páginas ganharam noticiário de todas as atividades comunitárias, da política e da administração pública, do noticiário policial, da vida social, do esporte, tudo com bons colunistas e excelentes articulistas.
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Ilustração da F. Cardona & Cia: Cardona, Emílo José, Piccolomini e Orlando |
No final do anos 1950, A COMARCA se fortalece no caminho de consolidar um grupo de comunicação regional. Criou o jornal O Guaçuano, na vizinha Mogi Guaçu, aproveitando o desenvolvimento trazido pela fábrica da Champion. Logo depois adquiriu a Folha de Itapira, que foi editada em Mogi Mirim por 15 anos. Paralelamente, Arthur de Azevedo manteve por 20 anos o Champion Radiojornal, na Rádio Cultura de Mogi Mirim.
Em 1978, um novo desafio. A COMARCA tornou-se um jornal diário numa cidade de 50 mil habitantes, ao mesmo tempo em que as dificuldades econômicas fecharam por todo o estado dezenas de jornais impressos. Foi nesse período que o filho de Arthur de Azevedo, Ricardo Piccolomini de Azevedo, ingressou na imprensa, iniciando um período de transição na direção do jornal.
As edições diárias terminaram em 1990, quando A COMARCA abandonou a impressão em chumbo e, para competir com seus concorrentes, entrou na era digital. Em 1992, a circulação mudou novamente. As edições bissemanais ficaram para trás para se adotar um modelo usual em países como Estados Unidos e Inglaterra: a edição semanal aos sábados. Um jornal não só noticioso, mas com reportagens mais completas para a comunidade. Formato que se mantém até hoje, com sucesso.
Sob o slogan "A Nova Imagem do Velho Jornal", A COMARCA mudou até seu próprio logotipo, que se mantinha inalterado por 92 anos. Buscando sempre a inovação, fez as primeiras experiências com fotografias coloridas. Em 1993, deu origem ao Plantão Eletrônico, espaço aberto ao leitor para questionar autoridades e cobrar responsabilidades até de segmentos privados, não acostumados a esse tipo de cobrança. Rapidamente se tornou um sucesso e foi reconhecido como porta-voz da população, numa época em que redes sociais eram apenas um sonho.
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"A Nova Imagem do Velho Jornal": campanha trazia marca reformulada ao quase centenário jornal |
Em 1996, as cores finalmente chegaram em definitivo, a partir de uma edição em comemoração ao aniversário de Mogi Mirim. Os anos 1990 ficaram marcados também pelas campanhas que A COMARCA empunhou em prol da comunidade, sendo a mais emblemática delas, talvez, a que ficou conhecida como "Febem, nunca mais", dando voz ao clamor popular que recusava a reativação do instituto para menores infratores.
Já em 1997, A COMARCA foi pioneira ao lançar uma ousada ofensiva no terreno ainda pouco explorado da internet. Criou o portal www.acomarca.com.br, no ar até hoje, com informações de Mogi Mirim para além das fronteiras, acumulando milhões de acessos nesses anos.
No ano 2000, o centenário de A COMARCA foi festejado em Mogi Mirim com homenagens dos poderes Executivo e Legislativo. O jornalista Arthur de Azevedo recebeu um título de cidadão honorário da Câmara Municipal. Na década seguinte, o jornal recuperaria a antiga logomarca e resgataria a identidade visual que marcou o seu nome.
Em fevereiro de 2016 é escrito um novo capítulo na história centenária de A COMARCA. Pela primeira vez em 90 anos a família Piccolomini Azevedo deixa a direção do jornal. O empresário itapirense Gilmar Bueno de Carvalho Júnior assumiu a função, na qual permaneceria até agosto de 2019. Em maio de 2017, A COMARCA anunciou a compra do jornal O Impacto.
Em setembro de 2019, o jornalista mogimiriano Flávio Magalhães assumiu o velho jornal de Cardona. É quando A COMARCA ganha novos ares. Continuando com a mesma credibilidade mais do que centenária, promove uma mudança no seu estilo editorial, dando mais ênfase ao noticiário econômico e político da cidade. Adota o slogan "Um Jornal Necessário". Conta ainda com um time impecável de colunistas.
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Desde setembro de 2019, o jornal está sob o comando do jornalista Flávio Magalhães |
Com mais de um século de existência e circulação ininterrupta, A COMARCA mantém sua linha editorial buscando a fundo os problemas locais e luta pelos interesses de Mogi Mirim. Cumpre o papel fundamental de defender sua cidade, pois seu leitor vive aqui.
Um dos poucos jornais centenários do país, A COMARCA carrega a defesa do interesse público, colocando sempre o coletivo acima do individual. Nascido no último ano do século XIX, atravessando o século XX, o velho jornal de Cardona marca história no século XXI mais forte do que nunca.